segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Pontos sofridos

Esse ano, graças a uma disciplina autoimposta, foi um dos mais produtivos para esta valorosa página da internet. Mas sacomé, na grande massa de textos que se cria e no vai-e-vem dos assuntos algumas pontas ficam soltas, e duas me vem à cabeça. Uma eu não tenho planos de fechar, mas está na hora de cumprir uma antecipação feita no último parágrafo desse post.

Eu sempre gostei de futebol, tanto quanto me recordo. De jogar, de assistir, de acompanhar as notícias no jornal - lembro claramente de uma manchete que dizia "Neto faz golaço e Corinthians vence o São Paulo". Lembro porque eu estava em fase de alfabetização e fiquei fascinado com o jeito como escreviam "golaço", pra mim era algo tipo "goulaço". Sou ao mesmo tempo um produto do meio (já falei sobre) e um alienígena querendo se misturar, então natural que corresse de meião e caneleira sobre o solo gramado da pátria de chuteiras.

(essa última frase usou alguns artifícios estéticos que não necessariamente casam com as melhores práticas da vida: não deixe seu filho jogar bola na rua de meião e caneleira, isso não cria caráter)

Passa o tempo, interesses novos aparecem, se vão, se renovam, e houve um período em que eu estava tão afastado do futebol quanto era saudável (infeliz e coincidentemente, justo na época que meu time começou a ganhar tudo), mas nos últimos anos minha proximidade com o popular esporte é a mesma que tem um carro e um muro ao final de um terrível acidente. E os efeitos não são muito diferentes.

Porque mudou. Eu não me relaciono mais com o futebol como se ele fosse um esporte salutar e divertido para me entreter nas tardes de domingo, me relaciono como se ele fosse a resposta para todos os meus problemas, a emulsão mágica que vai cicatrizar a tênue superfície da minha estabilidade emocional, a pá de areia que tampará esse vazio na minha alma. Eita, que exagero. Mesmo assim, deixou de ser uma relação saudável e produtiva, já passou a ser uma ameaça à minha integridade.

Eu já entrei em discussões irracionais com pessoas que só fizeram uma perguntinha, já desejei que a mãe de um goleiro fosse arremessada de uma catapulta, já quase avancei num segurança de banco que disse em voz alta que tinham que fechar as portas do São Paulo - e isso enquanto eu estava sob o efeito anestésico da conquista de um campeonato! Eu não sou desses babacas que viram outros seres humanos do avesso porque as listras das camisetas deles tem cores diferentes, mas você pode riscar o futebol da lista dos assuntos em que eu sou receptivo à discordância e entusiasta da racionalidade.

Escrevo tudo isso só agora porque acho que podemos embrulhar o assunto futebol por esse ano, já que o São Paulo se humilhou de todas as maneiras possíveis e imagináveis e nada mais há para se fazer. Não foi um ano fácil, e confesso que houve vezes em que eu pensei que não daria conta, que qualquer hora eu ia empacotar na frente do rádio e ia ser aquela cena ridícula, eu morto e babando no chão enquanto as vozes chiadas contavam piadas de duplo sentido ao invés de NARRAR A PORRA DO JOGO MEU DEUS DO CÉU NÃO HÁ RECURSO VISUAL ATRELADO A UMA TRANSMISSÃO RADIOFÔNICA QUER NARRAR ESSA MERDA E PARAR DE FAZER PROPAGANDA? Aí ó, é disso que eu tô falando.

Como estamos em dezembro e na terra dos clichês eu tenho sangue azul, podemos começar nossa retrospectiva dizendo que esse foi o ano em que eu sobrevivi. Mas não sei se aguento mais um assim. Então, se em 2014 você me encontrar caído no meu quarto, inerte e babando, assistido pelas luzes catódicas da televisão, lembre-se disso: o culpado foi o Douglas.

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