domingo, 15 de dezembro de 2013

Missa

Nasci em família católica, dos lados de pai e de mãe, e cresci sendo treinado a ferro e fogo para poder ser membro do maior grupo religioso do Brasil, o dos católicos não-praticantes. Vai o tempo e as coisas mudam, sabe como é a vida, e deus e eu já não andamos nos melhores termos há algum tempo, eu achando que ele não existe, ele provando que não só existe como também é rancoroso.

Apesar disso, sou respeitoso com a religião alheia. Se te faz bem, se te faz ser uma pessoa melhor, e, principalmente, se você não me enche o saco: vai nessa, filhão.

Só que a minha família não é mancomunada com satanás como eu e permanece firme e forte em seu catolicismo e, assim sendo, eventualmente compromissos dos parentes acabam me levando de volta ao lugar de onde eu corri minha juventude inteira. Não que eu tenha problema com isso, pelo contrário, eu respeito, olha como eu respeito, e é aí que a coisa começa a ficar complicada: minha insegurança e minha disfarçada egolatria - aquela que me leva a acreditar que o tempo todo todos estão de olho em mim e interessados em meus movimentos - me arremessam num redemoinho neurótico onde eu preciso deixar claro que não comungo de nada que tão dizendo ali, mas com todo respeito.

Exatamente como naquele episódio do Seinfeld em que eles ficam tentando provar que não são gays, não que tenha algo de errado com isso.

Então eu estou em pé, porque cheguei atrasado. Eu posso por as mãos no bolso? Não, no bolso demonstra desinteresse, porque homem só põe a mão no bolso pra coçar a virilha com a ponta do polegar. Cruzar os braços pega mal, né? Parece que eu estou me protegendo, como se fosse o anticristo (embora eu ache que se a estratégia do anticristo pra se defender dos superpoderes divinos é cruzar os braços, talvez seja melhor a oposição começar a pensar num sucessor). E deixar os braços esticados, mãos sobrepostas, atrás do corpo? Mas aí parece que eu tô me precavendo caso alguém chegue sorrateiramente e tente colocar alguma coisa no meu cu, e se eu acho que esse é um risco iminente dentro de uma igreja, estou subliminarmente desrespeitando o local, não? É, isso eu não posso. Mesma postura então, mas com as mãos à frente. Tem um monte de gente assim. Mas é pior, né? Porque aí eu tô protegendo o pinto, não do ataque exterior, mas evitando que eu mesmo faça umas cagada. Tipo "me conheço, vou acabar passando a rola em alguma coisa aí, deixa eu tampar o caminho".

Sinal da cruz eu abaixo a cabeça. Proclamação do evangelho segundo Zequinha, com aquela coreografia intrincada do polegar, eu dou uma coçadinha na testa. Hora de ajoelhar: aí não, tô passando mal, vou lá fora respirar um pouquinho.

Rola um som, eu bato palma, bater palma tudo bem. Toca uma música mais empolgante agora, todo mundo se cumprimentando, coisa bacana. O cara chega, estende a mão, diz "a paz de cristo". Eu aperto a mão dele, olho nos seus olhos, sorrio e digo "e aí, beleza?". Volta o discurso do padre. Alguém cochicha. Não pode cochichar, gente, é desrespeito. "Quando um burro fala, o outro abaixo a orelha", eu mando, pra depois perceber que chamei Jesus de burro.

(Aliás, ontem eu fui num evento do magnífico Miolo Frito e, completamente sem querer e discordando veementemente de mim mesmo depois, me referi à revista como "aquela bosta". Sei lá o que tá acontecendo comigo, devo ter Tourette)

Hora da comunhão, todo mundo faz fila, rola mais um som, que consiste num refrão que repete "incendeia minha alma" por 14 minutos, e eu imaginei todo mundo ao invés disso cantando Soul on Fire e batendo palma e dançando e sorrindo. A minha religião é o Spiritualized. O padre (na que eu fui hoje era um bispo, ele usava um chapéu irado) fica falando sozinho por horas e eu fico lá pensando se, pra melhorar a dinâmica, não devesse ter um comentarista junto pra fazer intervenções pertinentes. Tipo o Neto, manja? "Esse Pedro é um baita apóstolo, trabalhei com ele nas categorias de base do Guarani..."

Aí vem o dízimo. Na minha época eles passavam com uma cestinha recolhendo, agora só põem uma urna lá no meio e o povo que se mate pra jogar o dinheiro dentro. Eu continuo respeitando, olha só, mas tão meio folgados esses caras, hein? Quer meu dinheiro, vem pegar. Não que eu fosse dar, como não dei, não é a minha religião, afinal. Eu nunca nem paguei por um disco do Spiritualized, e isso me fez pensar como eu estou pirateando a missa, vendo de graça um negócio que custa uma grana e tal. Fiquei um pouco envergonhado e secretamente orgulhoso.

Não reclamo, vou pela família. E não como um sacrifício, porque pra mim fazer parte de momentos especiais das pessoas que eu finjo que gosto é uma baita honra (pra eles, RISOS). Além disso, tem uma parte que eu gosto de verdade: quando o padre diz "corações ao alto". Que frase bonita, que imagem espetacular. Imagina todo mundo enfiando a mão no peito ao mesmo tempo, arrancando o coração e segurando-o, pulsando e pingando, com o braço esticado para cima. Caralho, que imagem. E logo depois todo mundo ia cair morto e tal, mas você pode pensar nisso como uma espécie de arrebatamento.

Aliás, se o arrebatamento for assim mesmo, eu tô na missa todo domingo a partir de agora. Não perco isso por nada nesse mundo.

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