terça-feira, 3 de setembro de 2013

Soneca

A vida é dura pra quem acredita estar destinado a grandes coisas, - tipo cem mil dólares, mulheres, automóveis, mulheres, iates, mulheres, mansões, mulheres - mas é mais fácil negociar com o universo quando as suas pretensões são furrecas. Eu sou uma pessoa simples, de gostos simples, de ambições recatadas. E poucas coisas na minha rotina - quiçá fora dela também - me abundam com mais satisfação que a soneca do despertador.

Este blog já viu, em doses menores ou maiores, meus relatos lamurientos sobre minha incompetência para dormir. É difícil, é difícil. Talvez só exista uma coisa em que eu seja tão ruim quanto dormir: acordar. Então poder adiar esse sofrimento, nem que seja por só nove minutinhos, já me causa mais prazer que qualquer outra coisa que eu vá fazer depois de apertar o "desligar" ao invés do "soneca" (ou snooze, para quem é metido a besta).

Já me disseram diversas vezes o quanto isso é nocivo, que eu sou um preguiçoso, etc. E por tanto tempo eu abaixei a cabeça, me deixei abalar, humilhado, derrubado. Aí me ocorreu uma coisa.

Vivemos para o amanhã, senhores. Os deuses do cotidiano conseguiram nos estragar de tal forma que nos é impossível perceber o valor (positivo ou negativo) do que está acontecendo nesse instante. Nós agradecemos e comemoramos e compartilhamos siglas anglo-saxônicas toda vez que chega a sexta-feira. Mas sabe o que a gente faz na sexta? Trabalha. Assim como na segunda. Bom não é a sexta, porra, bom é o sábado. Mas ninguém comemora o sábado. Nos inunda de prazer a perspectiva do descanso, mas não o descanso em si. Da mesma forma, é comum ver pessoas reclamando de como não gostam do domingo, coberto que está pelas sombras da danação da segunda-feira. Só que o domingo - aceitem - é melhor que a sexta. Muito melhor, nem compara. E isso segue pra tantas outras coisas, e nesses tempos de câmeras de bolso nem se fala. Tem gente que vai a um show e passa mais tempo ajustando as configurações do aparelho e procurando o melhor ângulo do que vendo a banda em si. Que, sabe, é meio que o motivo de estarmos todos ali.

O problema é que só o agora existe. O antes é uma mancha de sangue estampada na ladeira da memória e o depois é uma paisagem sem contraste no horizonte. Esse é o valor do soneca: é prazer imediato, sem adiamentos, sem pensar nas consequências. E eu tenho overdose de soneca todos os dias: meu despertador começa a tocar às 7h50 (já foi 7h20) e eu vou levantar lá pelas 9 (quando estou inspirado, só 9h15 ou 9h20). Não chego no horário num dia de trabalho desde 1996. E não ligo. Se ser feliz é motivo de demissão, pode demitir, é sem dúvida uma justa causa. Eu não quero promoções, não quero progressão salarial, não quero uma carreira enfeitada com lantejoulas e medalhas. Eu quero só mais cinco minutinhos.

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