segunda-feira, 8 de abril de 2013

O canto dessa porra sou eu


Se houve algum artista da música popular brasileira que dominou as manchetes essa semana, foi Daniela Mercury. Volto ao motivo do falatório ao fim do texto. Mas eu gosto, aqui comigo mesmo, de analisar letras de músicas de vez em quando, e, incentivado por Dani Merc, resolvi ir ao âmago de O canto da cidade, um de seus maiores sucessos. Não é uma canção muito enigmática, mas debrucemo-nos sobre ela mesmo assim.

A cor dessa cidade sou eu
O canto dessa cidade é meu


A música brasileira teve que dar os seus pulinhos durante os anos da ditadura militar para dar uma volta nos censores, e a força mecânica dessa engenharia permaneceu mesmo depois que tava valendo tudo. Aqui claramente temos o caso de uma palavra trocada por outra para amenizar: no lugar de "cidade", o certo é "porra". Isso dá mais a medida do tom que se pretende alcançar com esses versos. Vejamos:

A cor dessa PORRA sou eu
O canto dessa PORRA é meu

Muito melhor. Como veremos adiante e você já deve ter sacado de exposições anteriores a esta popular canção, a palavra-chave aqui é presunção. Daniela Mercury Rev é uma seachona. Mas não temos a intensidade real dessa prepotência com a letra original. Tudo resolvido agora.

A música segue com uma estrofe repetida que não diz nada com nada (mas que rima "fé" com "pé", que é quase mau caratismo artístico, e ainda manda um "afoxé" mais pra frente, seja lá o que diabo isso for). E então, no refrão:

Uô ô verdadeiro amor
Uô ô você vai onde eu vou


Ah, o amor. Todos estamos atrás dele, não? Não.



Daniela Mercury está na frente. A ordem é clara: você vai onde eu vou, palhaço. A palavra "palhaço" está subentendida aqui, assim como uma iminente ameaça. Provavelmente ela iria dizer que vai enfiar o afoxé no rabo dele ou algo assim.

Não diga que não me quer
Não diga que não quer mais
Eu sou o silêncio da noite
O sol da manhã


Certo, essa é um pouco difícil. Claramente ela não quer que não se queira ela. Sem novidade, a mulher é uma narcisista psicopata. Mas que caralho é o silêncio da noite e o sol da manhã?

Primeira possibilidade: sou silenciosa como a noite, você nem vai notar quando eu chegar e enfiar o estilete na sua garganta e FSHHHHHHHH, o sangue espirrando como um gêiser da sua jugular. Mas e o sol da manhã? Será que ela vai chegar com um holofote na cara do maluco bem cedinho? É mesmo desagradável luz na cara da gente quando a gente quer dormir. Será que é um cacófato que esconde um segredo? Tipo "solda mãe ahn"? Hum, não. Ou será que é tudo uma grande ameaça de perturbação geral: se você não me quiser, não vai ter silêncio à noite nem ver o sol de manhã.

Mais provável é que seja só ela se achando de novo, tipo "sou o sol da manhã, na cama eu te esculacho".

Mil voltas o mundo tem
Mas tem um ponto final
Eu sou o primeiro que canta
Eu sou o carnaval


Como assim, Dani? Que mil voltas o mundo tem? O mundo não tem voltas, o mundo voltas. Mas tem um ponto final? Quer dizer que depois de mil voltas o mundo acaba? Mas são mil voltas ao redor do próprio eixo ou ao redor do sol? Porque, se for o primeiro, fudeu!

E, na iminência do cataclismo, temos um sinal não só da já falada soberba da cantora, mas também de cafajestagem. Naquela de trocar uma palavra por outra pra amenizar o efeito da frase, o verbo "cantar" quer dizer na verdade "rapar fora". Vou cantar em outro planeta, mulheres e Chapolins primeiro, so long suckers!

E, enquanto se segura na escadinha que a puxa para dentro da nave espacial, ainda dá aquela olhada por cima do ombro e, do alto do seu afoxé, manda: eu sou o carnaval. Como sabemos, no Brasil o ano só começa depois do carnaval, então basicamente ela está dizendo que o ano só começa nessa porra quando ela disser que pode começar. Gente.

***

A arte nos ajuda a explicar muitas coisas sobre o mundo, e algumas vezes muito diretamente. Daniela Mercury anunciou essa semana que está casada com outra mulher, que atende pelo nome de {procurar o nome da mulher}. Gostaria de dar os parabéns às duas, primeiro pela felicidade de encontrarem o amor nesse mundo ruim, depois por terem chegado (ainda que tardiamente) à epifania de que mulher é bem mais legal que homem mesmo.

Mas existe essa coisa (talvez meio homofóbica, não sei dizer) de tentar encontrar em casais homossexuais paralelos com casais heterossexuais no que diz respeito ao papel do homem e da mulher. Vendo tudo o que vimos sobre Daniela na música acima, sobre o quanto ela manda, domina e decide tudo que acontece na relação, não é preciso pensar duas vezes para saber que papel ela desempenha.

Ela é a mulher.

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